Embora ela esteja bem perto de nós e plenamente visível quase todas as noites, ainda são muitos os mistérios que cercam a Lua. Em especial, mistérios que envolvem o papel da ĂĄgua na origem do satélite natural da Terra.
Em um estudo publicado no Journal of Geophysical Research, pela primeira vez, pesquisadores do Laboratório de Física Aplicada Johns Hopkins, nos Estados Unidos, compilaram um mapa completo da presença de hidrogĂȘnio na superfície da Lua. O mapa identifica dois tipos de materiais lunares contendo o elemento e confirma ideias anteriores sobre a relação entre hidrogĂȘnio e ĂĄgua na Lua. Os achados sugerem que a ĂĄgua provavelmente desempenhou um papel importante na formação e solidificação original do oceano de magma da Lua.
De acordo com o professor Ricardo Trindade, do Instituto de Astronomia, Geofísica e CiĂȘncias Atmosféricas (IAG) da USP, os cientistas do laboratório utilizaram dados de nĂȘutrons orbitais da Missão Lunar Prospector. A sonda, que foi implantada pela Nasa, em 1998, orbitou a Lua por um ano e meio e enviou de volta a primeira evidĂȘncia direta de hidrogĂȘnio nos polos lunares, antes de impactar a superfície lunar.
"O Lunar Prospector era um satélite com vĂĄrios instrumentos, incluindo um espectrômetro de nĂȘutrons que detecta a interação deles com o hidrogĂȘnio", explica o especialista ao sintetizar que, por causa do detector, foi possível estimar a quantidade de hidrogĂȘnio na Lua.
"A variação da quantidade de hidrogĂȘnio lunar aumenta com relação à latitude, por isso, quanto mais próximo dos polos da Lua maior a quantidade de hidrogĂȘnio. Inclusive, temos evidĂȘncias de gelo nas calotas polares da Lua. Mas, o que esse mapa novo mostra é que, na porção central da Lua, ou seja, nas porções mais próximas do Equador, distante dos polos, existem duas regiões que tĂȘm valores de hidrogĂȘnio anomalamente elevados", esclarece o geofísico.
O mapa confirmou hidrogĂȘnio em dois tipos de materiais lunares. A primeira confirmação surgiu no território lunar conhecido como Planalto de Aristarco, que abriga o maior depósito piroclĂĄstico da Lua. Esses depósitos são fragmentos de rochas em erupção de vulcões, corroborando observações anteriores de que o hidrogĂȘnio e/ou a ĂĄgua desempenharam um papel nos eventos magmĂĄticos lunares. A segunda confirmação veio na forma de rochas do tipo KREEP, um acrônimo em inglĂȘs para rocha de lava lunar, que significa potĂĄssio (K), elementos de terras raras (REE) e fósforo (P). Ambos os locais remontam às origens do satélite.
"O grande interesse desse trabalho é que costumamos associar a quantidade de hidrogĂȘnio – ou volĂĄteis em geral – na superfície da Lua como um efeito da vinda desse material a partir do vento solar. Como se esse material tivesse sido depositado sobre a superfície da Lua depois que ela se formou. No entanto, a existĂȘncia dessa quantidade maior de hidrogĂȘnio nesses dois locais mostra que a ĂĄgua pode ter sido parte dos elementos que contribuíram para a formação da Lua, 4 bilhões de anos atrĂĄs", revela o professor.
De acordo com os cientistas, descobertas como essa são importantes não apenas para entendermos o funcionamento e origem do sistema solar, mas também para planejar futuras explorações humanas fora da Terra.
O professor reforça que, atualmente, a hipótese mais aceita é que a Lua tenha nascido da colisão de um corpo muito grande, praticamente do tamanho de Marte, com a Terra primitiva. No processo, uma parte do manto terrestre escapou, mas ficou aprisionada pela gravidade e formou nosso satélite. "Por isso, considerando essa hipótese, a formação da Lua não é exatamente como a formação da Terra ou de outros planetas do nosso sistema solar. Então, entender qual era a composição desse material que se descolou da Terra para forma a Lua é importante, assim como saber se havia ĂĄgua no processo", finaliza.