Nos campeonatos de esportes de combate, os competidores são separados em categorias de acordo com a faixa de peso e com o sexo, a fim de tornar as lutas mais equilibradas. Sendo assim, é frequente a tática utilizada por muitos atletas de disputar em categorias mais leves do que o peso em que se enquadram inicialmente, a fim de enfrentar adversários menores. Para isso, basta reduzir alguns quilos (kg) antes dos combates e recuperá-los rapidamente antes das lutas.
No caso do judô, há uma tolerância para recuperação do peso após a pesagem, já que a aferição ocorre um dia antes da luta. Para conferir se a tolerância é respeitada, uma amostra dos atletas faz uma segunda pesagem pouco antes de entrarem no tatame, o palco onde são feitas as competições.
Um estudo de Danilo França Conceição dos Santos, doutorando da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, com orientação do professor Emerson Franchini, demonstrou que, de fato, ouve uma tendência de uma maior recuperação da massa corporal entre os ganhadores das lutas, comparado aos vencidos nos Jogos Olímpicos de Tóquio. O artigo que descreve os achados, Body mass variation of judo athletes during the Tokyo Olympic Games and its relationship with performance in the mixed team competition, foi publicado na revista Sport Science for Health.
Os dados utilizados são fornecidos abertamente pela Federação Internacional de Judô. O artigo contou com a colaboração dos egressos da pós-graduação da EEFE João Paulo Lopes-Silva e Marcus F. Agostinho e de Rafael L. Kons, professor da Universidade Federal da Bahia.
"Os atletas que bateram um peso e logo em seguida retornaram aos 5% já deviam estar habituados com os 5% do limite da categoria. Eu estou com 84 kg. Para eu bater 81 kg não há dificuldade. Se eu levantasse com 84 kg, fizesse atividade e controlasse a alimentação – eu digo controlar, não digo nem suprimir nada – , quando eu fosse dormir já estaria com 81", explica o judoca Felipe Moyano. O atleta, licenciado em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e graduando em Esporte na EEFE, já participou de diversos torneios.
As regras atuais
No judô, a pesagem oficial é realizada na noite anterior às disputas. Na manhã seguinte, quando as lutas ocorrem, é feito um sorteio entre os competidores para uma nova aferição. Se o atleta extrapola 5% do peso limite na segunda pesagem, está desclassificado. Nas competições por equipe, os judocas têm 2 kg de tolerância em relação ao limite de cada categoria.
Nas olimpíadas de 2020, por exemplo, a hondurenha Cergia David foi desclassificada por estar acima do peso. Isso garantiu a vitória de Ketleyn Quadros, que tinha sido porta-bandeiras da equipe olímpica brasileira na abertura dos jogos. A equipe de Honduras informou na ocasião que Cergia sofria de íleo paralítico, condição que impossibilitou a manutenção do peso na ocasião.
São sete categorias femininas e sete masculinas. Acima de 78 kg para mulheres e 100 para homens não há mais limites, sendo as últimas categorias em ordem crescente. Além das categorias individuais há a disputa por equipes. Cada time é formado por três homens e três mulheres. Nas olimpíadas, somente os atletas classificados na modalidade individual poderiam participar das equipes, mas as sete faixas de pesos individuais são resumidas em somente três para cada sexo nessa etapa.
Uma atleta que disputa, por exemplo, a categoria de até 48 kg individual, só poderia ser convocada para lutar na categoria até 57 kg, que é a primeira da modalidade por equipes. Nessa fase dos jogos, quando o país não dispunha de atletas mais próximos do limite de peso, os competidores mais leves tinham que ganhar massa se quisessem igualar os adversários.
Danilo investigou se esses competidores obtiveram um aumento de peso proporcional ao intervalo de dias desde as lutas individuais, que ocorreram primeiro. Os atletas das categorias mais leves tiveram um maior ganho percentual e, com isso, pode-se especular que eles teriam reduzido a massa corporal antes do início dos jogos, mas ainda não há informações conclusivas. O trabalho publicado, entretanto, é apenas o começo de um estudo mais aprofundado da tese de Danilo.
Riscos à saúde
A perda acentuada de peso por meio da desidratação forçada e a posterior recuperação parece permitir um melhor desempenho sobre o adversário, mas pode ser prejudicial à saúde do atleta. Por esse motivo, o uso de diuréticos (medicamentos que forçam o atleta a urinar) é considerado como dopagem e leva à desclassificação.
"Há diversas formas de eliminar o peso como, por exemplo, aumentar o volume de água ingerido dez dias antes da competição. O atleta passa a tomar sete litros de água por dia. Um dia antes da competição, ele ingere 500 mililitros (ml). Ele viciou o organismo para trabalhar de um jeito. O corpo continua urinando como se estivesse bebendo sete ou oito litros de água. Todo um sistema fisiológico, principalmente o renal, é afetado", alerta Moyano.
O atleta opta por manter um alto nível de exercício físico com baixa ingestão calórica para alcançar o peso desejado. Segundo ele, mesmo assim é preciso ter cuidado: com uma baixa ingestão de calorias, o corpo busca energia no próprio músculo, impactando negativamente outros processos fisiológicos. Em casos extremos, a fonte de energia simplesmente se esgota e o atleta não consegue continuar a luta.
Existem outras táticas que podem ser consideradas como desleais e que não são identificadas por meio de exames laboratoriais, como a aplicação de soro para uma rápida reidratação. "Para você ver que uma pessoa utilizou isso é muito difícil, só se sair procurando o furinho da agulha na pele", brinca Danilo, ressaltando, entretanto, que isso não é frequente no judô.
Isso não implica necessariamente uma alteração nas regras atuais do judô. O ideal é manter um acompanhamento dos dados para criar regras que inibam a perda de peso exagerada, pois essa prática pode colocar a saúde do competidor em risco. Segundo o autor da pesquisa, as federações e confederações de judô "poderiam mensurar o nível de hidratação desses atletas perto da pesagem", por exemplo.
A tendência de que os vencedores teriam recuperado mais massa corporal antes das lutas já havia sido descrita em outras modalidades por Reid Reale, pesquisador do UFC Performance Institute Shanghai, no artigo Individualised dietary strategies for Olympic combat sports: Acute weight loss, recovery and competition nutrition. No entanto, embora existam estudos que apontem uma possível vantagem, a base de evidências ainda não é tão consolidada para dizer que ele é determinante.