"Combustível do futuro", hélio-3 é dez vezes mais comum na Terra do que se imaginava

Arte: Ana Júlia Maciel / Jornal da USP

Arte: Ana Júlia Maciel / Jornal da USP

Em um estudo publicado na revista Nature Geoscience, cientistas da Universidade da Califórnia, em San Diego, nos Estados Unidos, descobriram evidências de que um recurso raro chamado hélio-3 é potencialmente dez vezes mais comum na Terra do que se imaginava.

Conforme explica Ricardo Galvão, especialista em Física de Plasmas e Fusão Nuclear Controlada e professor do Instituto de Física (IF) da USP, o hélio-3 é um isótopo do hélio, o que significa que ele contém o mesmo número de prótons que esse elemento comum, mas um número diferente de nêutrons.

Na pesquisa, os cientistas americanos usaram uma nova técnica para detectar de que maneira os níveis de hélio estão subindo no nosso planeta. O isótopo, de acordo com Galvão, foi surpreendentemente encontrado na Terra durante um estudo que pretendia mensurar a presença de outra "versão" do hélio, o hélio-4. "Eles começaram com hélio-4, fazendo uma comparação da concentração relativa dele com o nitrogênio. O nitrogênio é muito abundante na atmosfera. A partir de uma análise, eles notaram que existia mais hélio-4 na atmosfera do que estimativas anteriores", afirma.

Com isso, os pesquisadores confirmaram que a concentração desse isótopo tem aumentado, já que a substância é liberada principalmente durante a queima e extração de combustíveis fósseis. O isótopo de hélio-4 é produzido pelo decaimento radioativo na crosta terrestre e se acumula nos mesmos reservatórios que os combustíveis fósseis, em especial os de gás natural.

No decorrer do estudo, contudo, os geocientistas notaram a presença do valioso hélio-3 que, de acordo com o trabalho, está também aumentando junto com o hélio-4 em nossa atmosfera, ainda que em níveis muito menores do que fora dela.

Mas como, ainda que hipoteticamente, poderíamos utilizar o hélio-3 como combustível nuclear aqui na Terra? O professor Galvão explica que, primeiro, precisamos diferenciar como obtemos energia de reações nucleares. Uma delas é a fusão nuclear, "que é a forma pela qual as estrelas obtêm energia", esclarece ele.

Entretanto, o que fazemos na Terra, principalmente, é a fissão nuclear, ou seja, bombardeamos átomos com nêutrons para quebrar o seu núcleo e gerar energia. Para isso, utilizamos dois isótopos de hidrogênio, o deutério e o trítio. A reação entre eles gera os resíduos que chamamos de lixo nuclear. O hélio-3, se descoberto em abundância, tomaria o lugar do trítio e a reação, teoricamente, seria bem menos perigosa para o planeta.

"Tanto nos reatores a fissão quanto nos reatores a fusão atualmente utilizamos deutério e trítio. Um dos problemas é que a energia que sai gera nêutrons de alta energia; os nêutrons são partículas que, quando bombardeiam parte do reator, fazem com que esses elementos se tornem radioativos; elementos radioativos que precisam ser armazenados por muito tempo, centenas de anos", elabora Galvão. "Já o hélio-3, quando reage com deutério, não produz nêutrons energéticos, a energia sai imediatamente em partículas carregadas, então, não haveria radiação dos elementos dos reatores", finaliza.

Por isso, a descoberta recente é importante porque o hélio-3 pode servir como base de energia limpa para nossa civilização, ainda que detectado na Terra em quantidades pequenas. Atualmente, cientistas sabem que o hélio-3 é amplamente encontrado no espaço sideral, especialmente na Lua.

"O hélio-3 só é produzido através de colisões com partículas muito energéticas que vêm do espaço, depois de um tempo ele vai decaindo na Terra e é absorvido pelas camadas superiores. Mas ele existe abundantemente na Lua", conclui o professor, confirmando que existem projetos futuros que consideram enviar foguetes ao satélite para trazer o elemento para o nosso planeta.

Com colaboração de Caio César Pereira