Hoje chegou o dia de encerrar nosso projeto, que nos trouxe tantas histórias fortes, que emocionaram nossos corações. E, por ser tão especial, deixamos a Dona Vitalina Antunes para encerrarmos com chave de ouro!
Ela é, sem sombra de dúvidas, uma das maiores agentes de mudança aqui de Coronel Vivida.
Com um jeito leve de encarar as maiores adversidades da vida e transpassando a nós tanta paz, através dos seus olhos, Dona Vita nos conta com detalhes, cheios de humildade e sinceridade, sua história!
Batalhadora, desafiada constantemente, nos abrilhanta com sua linda e preciosa existência, no auge de seus 80 anos. Gratidão por sua vida, Vitalina!
"Sou Vitalina Antunes. Nasci na comunidade de Jacutinga, interior de Coronel Vivida, no dia 31 de dezembro de 1941. Filha de Francisco Luís Nascimento e Francisca Antunes.
Como naquela época era comum não registrar os filhos no tempo certo, minha data de nascimento está nos documentos como 30 de agosto de 1942.
Não foi uma vida fácil, mas nem tão difícil, porque a gente chegou até aqui.
A minha mãe nasceu em 1914 e chegou em Jacutinga no ano de 1928, com o meu avô, que era africano e morreu aos 116 anos.
Ela morou na comunidade até os seus 70 anos. Casou com o meu pai, que era alemão com bugre. E lá eu nasci, me criei e me casei; construí o início da vida lá.
Naquela época tinha um dizer assim, que "Preto não podia casar com branco".
Vejam como a vida não era fácil. Mesmo assim, também me casei com um alemão e tivemos sete filhos, mas daí viuvei muito cedo.
Em 1960, vim para Coronel Vivida trabalhar no Hospital Anjo da Guarda [que o dono era o doutor Inorte Briciano]. Inclusive, nesse hospital foi onde também nasceu o meu segundo filho.
Fiquei por pouco tempo na cidade e voltei morar em Jacutinga, até 1964. A partir daí, passei morar na cidade, definitivamente, trabalhando como diarista.
Na comunidade de Jacutinga eu tinha muitas amizades, era uma pessoa muito querida das pessoas. Porque ajudei a minha mãe (que era parteira). Tinha 17 anos e já era mãe da minha primeira filha, quando a ela me ensinou.
No primeiro parto que a auxiliei, doutor Inorte não pode ir. Era ele que ia ajudar as mães. Então pediu para sua esposa, dona Cleudes, que nos auxiliou. Ela disse para minha mãe: "Fiz o parto, agora você fica, atende a neném e a mãe, que eu vou voltar para a cidade".
Ficamos nós duas com a parturiente e a neném. Porém, a mãe da neném chamou a minha mãe: "Dona Francisca, entre aqui, que vou ter outro neném".
Levei um susto! Minha mãe falou para mim: "Você já é mãe. Entre lá e ajude ela para nascer a segunda criança, que eu tenho que cuidar desta".
Deus me ajudou [porque naquela hora só Deus para ajudar], e conseguimos fazer o segundo parto. E, a partir dali, continuei sendo parteira com a minha mãe em Jacutinga.
Em 1964, ao me mudar para a cidade, comecei a trabalhar como empregada doméstica, diarista, camareira, cozinheira, lavadeira; não deixando também de ajudar a socorrer mães, dando de mamar o meu filho e o filho da outra mãe. Era um trabalho gratificante, maravilhoso. Além de trabalhar na residência de uma família, também na casa do doutor Inorte e da dona Cleudes, e no Hospital Anjo da Guarda.
Lá aprendi a me dar mais valor, porque a gente era discriminada. Eu tinha muito receio de me aproximar de gente branca, de gente que tinha poder. Porque a gente já era discriminado.
Não podia casar com branco. Casei com alemão. Então aquele tempo já tinha discriminação.
Doutor Inorte era uma pessoa muito sábia. Lá ele dava valor para a gente, como ser humano, mulher, empregada doméstica, trabalhadeira. E era muito bom.
Conciliei os trabalhos até 1970, quando tive meu último filho. Nessa época, também atuava no hospital o doutor Tohoru Okayama. Trabalhei, inclusive, de empregada doméstica para a sua família.
Ele, que colocou o meu apelido na ficha do hospital de "Escurinha", certo dia falou para mim: "Escurinha, você precisa voltar a estudar. Volte para poder te ajudar e colocar você numa posição melhor. Porque você tem sete filhos".
Como eu era viúva, o sustento dependia somente de mim. Também ajudava as vizinhas, os meus pais, que dependiam muito de mim em Jacutinga. Eu ia lá socorrer eles com tudo o que eu podia.
Assim, voltei para o colégio estudar em 1970 e concluí o primeiro grau em 1973.
Depois disso, doutor Tohoru disse que ia me colocar no posto de saúde. Eu não entendia o que era um posto de saúde. Não sabia nem o que era, mas eu fui.
Aí trabalhei um ano e pouco e ele me chamou, para eu ir à prefeitura assinar a carteira, para ter férias. Eu não conhecia e nem sabia o que era. Fui à prefeitura, assinei a carteira e continuei estudando, trabalhando de diarista.
Trabalhei sete anos na prefeitura. Como tinha estudado e queria dar melhores condições para minha família, doutor Tohoru me recomendou que fizesse concurso público do Estado. Passei e fui trabalhar com ele no hospital; era assistente dele, como parteira.
Depois passei no concurso, em 1981, para trabalhar em dois lugares. No Colégio Estadual Arnaldo Busato e no posto de saúde central. Mas eu preferi o posto de saúde, porque já estava ali, com a dona Rosalina, o seu Valdemar [esse casal é para mim meus irmãos de coração. Trabalhamos juntos. Somos amigos até hoje].
Daí foi ampliando o posto, o conhecimento, a cidade, a população. E nós lá no posto. E eu continuando trabalhando e fazendo partos até 1981.
Trabalhei no posto de saúde desde 1973 (com 33 anos) até os meus 65 anos. Amava aquele trabalho. Se pudesse, continuava até hoje. Um serviço muito gratificante, em que me tornei gente, pessoa.
Vim morar no São José Operário e ia trabalhar a pé no posto de saúde do centro, durante uns 20 anos. Ia de manhã e voltava à noite.
Aí depois fui para o posto de saúde do bairro BNH, onde trabalhei mais 14 anos. Nessa época, morava no Primavera II.
Depois disso voltei a trabalhar no central, onde fiquei mais cinco anos, concluindo 41 anos de trabalho na cidade: 40 de carteira e um ficou em branco, sem carteira.
Eu me aposentei com 65 anos. Não queria parar. Mas precisei por ter problema de coração. Fiz dois cateterismos, uma angioplastia; e também por causa de uma bursite no braço.
No ano passado, me candidatei à vereadora. Não para querer ser vereadora e ganhar. Um vereador tem que se doar para as pessoas. Eu queria isso. Mas não chegamos lá.
Uns ganham, outros perdem. Mas, na verdade, não perdi nada. Ganhei amizade. Eu me conheci. Vi o valor que tem que se dar. O valor que temos que receber também.
Foi muito gratificante, ganhei muito conhecimento. As pessoas, que confiavam e acreditavam em mim, me deram 64 votos; as quais agradeço até hoje".
Para saber mais sobre o projeto, acesse o link abaixo:
https://portalvividense.com/noticia/7832/historias-reais-de-mulheres-serao-contadas-no-projeto-entre-nos-em-coronel-vivida.html