Heitor - 485 dias respirando amor

Para saber mais sobre o projeto, acesse o link no final do depoimento

Crédito: Rayza Brito

Crédito: Rayza Brito

Essa é a história de uma família tão especial, mas essa mãe vai além disso. Poliana Polli sempre foi uma pessoa com uma luz própria, que irradia. Comunicativa, determinada, inteligente, alegre, cheia de energia e autoconfiante, tornou-se mãe de um anjo guerreiro, chamado Heitor Polli Szpak, que viveu sua vida distribuindo sorrisos, força e amor.

Hoje, ela está à espera de mais um serzinho para iluminar ainda mais a vida dessa família tão especial!

"Quando recebemos o positivo, pensamos em tudo. Todas as preocupações e felicidades vêm à tona no mesmo momento; mas, jamais, estamos preparadas para sermos mães de UTI.

Pois bem, nossa história começou ainda na gestação. Mais precisamente nas 12 semanas, Heitor apresentou mega bexiga, que é considerada uma má formação na VUP (válvula da uretra posterior). Como somos do interior do Paraná, fomos encaminhados à Curitiba, em um especialista fetal.

Chegando lá, constatou-se que a bexiga do bebê havia estourado. Nesse momento não sabíamos o sexo, pois a bexiga estourada impossibilitava qualquer procedimento. Nesse dia também recebi a notícia de que provavelmente não chegaríamos ao nascimento, pois havia uma longa caminhada de procedimentos invasivos e dor.

O médico nos deu a opção de interromper a gestação. Porém, eu disse que, enquanto aquele coraçãozinho batesse, lutaria também; e meu esposo, sempre muito presente, concordou comigo e disse que seriamos nós três.

Nesse dia fiz exames para constatar outras más formações ou síndromes. Voltamos para casa e, na mesma semana, o médico nos ligou e informou que não havia detectado nenhuma síndrome e eu estava à espera de um menino, o nosso guerreiro Heitor.

A partir daí, iniciou a nossa árdua caminhada na gestação. Nossa rotina era de médicos a cada dois dias. Ficava em casa, íamos à nossa cidade vizinha, que ficava o nosso médico, então avaliávamos a quantidade de urina na bexiga; e, no dia certo, íamos à Curitiba para fazer o procedimento de retirada dessa urina.

Esses procedimentos eram feitos sem anestesia. Uma dor insuportável, que me fazia desmaiar e voltar por várias vezes em um só procedimento. No final, voltávamos para casa e eu seguia em repouso até a próxima consulta.

Tínhamos a possibilidade de colocar um cateter, que drenaria essa urina para junto do líquido amniótico. Então, com 18 semanas, fizemos a primeira tentativa. O que não esperávamos é que desse tão errado.

Meu útero [em um movimento de contração e defesa] prendeu o cateter. Nesse momento, a bexiga do Heitor estava estourada novamente e o líquido amniótico começou a drenar pelo cateter para o meu abdômen, o que me deixou em risco. Com isso, precisei ir com emergência para um hospital, o médico fetal nos acompanhando.

Quando entramos no centro cirúrgico, ele me explicou que naquele momento a prioridade era a minha vida. Confesso que não conseguia pensar; eu só falava para o Heitor que a mamãe estava ali. A equipe continuou me alertando que eu seria submetida à uma anestesia geral; que o meu pequeno estava com a bexiga estourada e sem líquido, o que o tornava mais frágil e que a possibilidade de ele não resistir era gigante; e fui anestesiada.

Já no quarto meu pedido incansável era saber se o Heitor estava bem. Contudo, a resposta de todos era a mesma, para que eu descansasse. Parecia que algo estava errado, mas meu coração sabia que ele estava ali, e que tudo ficaria bem.

Na manhã seguinte, a equipe veio ouvir o coração. Tentaram me falar que havia risco dele não estar mais com vida, mas eu seguia acreditando; e ali estava o coração dele mais forte do que nunca; àqueles batimentos soaram como a música mais linda que meus ouvidos foram capazes de ouvir.

Nesse momento, sem líquido e ele com a bexiga estourada, me restava acreditar que ele cicatrizaria sozinho a bexiga e que eu viria aquele rostinho. Voltei aos procedimentos semanais e a rotina de médicos. Por incrível que pareça, ele me passava uma força que não acreditava que eu tinha, não havia medo da dor; meu amor por ele superava cada procedimento.

Semanas depois, colocamos outro cateter [esse com sucesso], fazendo com que a urina drenasse sozinha. Heitor seguia crescendo, e fez com que o cateter entrasse para dentro da bexiga, fechando-a novamente. Assim, voltamos aos procedimentos, com mais riscos, pois minha barriga já estava maior.

Todos esses procedimentos invasivos fizeram com que meu organismo entendesse as coisas de maneira errônea; comecei a ter muito leite e contrações com 28 semanas.

Já com 30 semanas, entrei em trabalho de parto, com dilatação. Estava em casa e, como na minha região não há atendimento para esse tipo de caso, fui estabilizada e encaminhada de ambulância à Curitiba.

Lá fiquei internada, mas a bexiga do Heitor estava enchendo, o que fez com que precisássemos esvaziá-la [com muito risco, pois as contrações e a dilatação aumentavam todos os riscos].

Fui até a clínica para o procedimento, onde foi tirado 875 ml da bexiga dele. A imagem era assustadora, pois não o encontrávamos. No ultrassom víamos apenas o líquido da bexiga. Era inacreditável aquele coração valente.

Finalizando o procedimento, a bolsa estourou, e o Heitor [com pressa] colocou o pé para fora; não havia opção a não ser o parto de emergência.

Nosso pequeno nasceu em uma segunda-feira, 18 de novembro de 2019, às 14h16. Com 1,865 kg, sem choro, em silêncio [um silêncio que fazia com que o medo tomasse conta de mim]. Os olhares da equipe tentando me tranquilizar, mesmo não estando tranquilos. Só queria meu filho e vê-lo bem.

Logo no nascimento precisou ser intubado, pois a barriga estava tão distendida, que os músculos não o ajudavam a fazer a movimentação do diafragma para respirar e sonda para drenar a urina. No fim da tarde, levantei e fui ver meu guerreiro. Peguei-o em meus braços, não sentia dores, não sentia o meu corpo, só conseguia pensar nele.

Na manhã seguinte, Heitor foi encaminhado ao Hospital Pequeno Príncipe, e eu continuei na maternidade. Minha alta só veio na outra manhã, o que me deixava ansiosa para estar perto dele. Quando ganhei alta, fui direto para a UTI NEO ver meu guerreirinho; tão pequeno e tão gigante dentro daquela incubadora.

Chegando lá, conheci tantas mães. Algumas há meses lá. Pensava que logo sairíamos, pois era apenas resolver a válvula, o que seria resolvido em uma cirurgia simples.

No quinto dia de vida recebemos a notícia de que, provavelmente, Heitor teria uma má rotação intestinal e iria passar pela primeira cirurgia. Lá fomos nós...

É indescritível as sensações e os medos que tivemos sentados em uma sala de espera do centro cirúrgico; aparentemente ocorreu tudo bem.

Os dias foram passando e o intestino do Heitor não dava sinais de funcionar. Então veio outra cirurgia, e outra, e outras tantas... Tantas laparotomias, que eu pensava me acostumar com o medo. Mas não! Cada vez que o deixava no centro cirúrgico, aquele sentimento que sufocava estava ali presente.

Em cada cirurgia, o intestino se enchia de bridas, como se fossem aderências, e fechava novamente. Isso fez com que aumentasse mais a preocupação com o estado do Heitor, pois o intestino é um órgão indispensável para a sobrevivência.

Os dias passavam, e vinham mais cirurgias. Nosso pequeno seguia intubado, pois, quando a equipe pensava em desintubar, vinha outra cirurgia, o que o deixava mais dependente do respirador.

Por consequência foi nos colocada a opção de traqueostomia. Nós, de maneira errônea, por não entendermos nada e aquele mundo de UTI ser tão novo, víamos a traqueostomia como um caminho sem volta. Confesso que choramos muito, cada dia sentíamos mais medo de perdê-lo.

Entretanto, sempre optamos pelo melhor para ele, e então aceitamos a traqueostomia e a gastrostomia [a gastro facilitaria a retirada do líquido bilioso, e poderiam retirá-lo a sonda nasal]. Depois de tantas cirurgias, o abdômen do Heitor não cicatrizava mais; ficava aberto; necessitava de trocas de curativo o tempo todo.

Todos esses problemas faziam com que o nosso pequeno não pudesse se alimentar, sendo necessária alimentação por veia, nutrição parenteral; e essa nutrição provocava uma sobrecarga no fígado, que começou a sentir.

Por todo esse tempo, eu tirei leite. Sempre tive muito leite. Então tirava a cada três horas. Eram mamadeiras cheias.

Isso me causava uma dor emocional gigantesca, pois na gestação sempre sonhei muito em amamentar. Cada vez, que ia ao lactário, ouvia as mães comemorando a quantidade que seus filhos mamavam; e eu feliz por elas e sonhando com o momento que o Heitor mamaria.

Os dias iam passando e esse momento não chegava. Doava todo o meu leite; queria, de alguma forma, ajudar alguém. Acordava nas madrugadas tirar leite, chorando. Quase completando os cinco meses, meu emocional estava muito abalado, pois saia do lactário todas as vezes aos prantos. Decidi tentar parar, fui parando aos poucos, até que meu leite secou.

Nessa mesma época Heitor pegou uma superbactéria, e todos os exames mostravam que ele tinha poucos dias de vida. Mas ele, surpreendentemente, passou por isso com os olhos brilhantes, me dizendo o tempo todo que tudo ficaria bem. Batizamos ele dentro da UTI, em uma cerimônia linda proporcionada pelo hospital, o que nos deu um momento de paz no coração.

No dia que Heitor completava cinco meses, ele estável, ganhamos alta para o quarto. Ainda sem alimentar, com a traqueo em ar ambiente, fomos para a nova fase no quarto. As equipes cirúrgicas ainda tentando achar uma solução, mas tentando deixar o corpo dele se recuperar de tantos procedimentos. Foi um dia muito emocionante; colocar aquela roupa azul do hospital nele era uma conquista diante de tantos diagnósticos.

No quarto conhecemos muitas crianças, muitos milagres, muitas mães, muitas histórias... Confesso que o medo no início era gigante. Eu, mãe de primeira viagem, tentando aprender a ser mãe junto com todas as complicações, fios, sonda e cateter. Me lembro como se fosse hoje o primeiro banho. Eu, sempre muito prestativa, queria dar o banho nele, mas o medo e a insegurança me acompanhavam a cada momento.

Com os dias passando, íamos pegando o jeito com todos os fios; me revezava com meu marido, pai de primeira viagem, que não saiu do nosso lado por nenhum momento, cumprindo a promessa de que estaríamos juntos, lutando enquanto ele lutasse.

Muito diferente do que imaginávamos, em meio a uma pandemia, precisamos aprender sozinhos; geralmente com vídeo chamada [um no hospital e o outro em nossa casa provisória], sempre nos ajudando e nos esforçando para ser o melhor que pudéssemos para o nosso pequeno, pois ele merecia apenas o melhor de nós.

Os meses passavam junto com mais cirurgias, idas e vindas da UTI, bactérias, ideias novas, novas equipes; sendo que Heitor se tornou um desafio para a medicina.

Havia dias em que não sabíamos da onde tirar forças no meio de tantos "nãos"; tantos diagnósticos difíceis. Era muito difícil a sobrevivência do Heitor sem o intestino funcionar. Cada vez, que abria a fralda, torcia para ter alguma sujeirinha, algum sinal de que tudo iria ficar bem. Mas não acontecia. Ele chegou a evacuar algumas vezes depois das cirurgias, mas logo depois fechava as alças novamente por aderências.

Era como se o caminho fosse ficando mais estreito; meu propósito ali era cuidar dele e aproveitá-lo o máximo. Eu zelava o sono dele; não pensava em momento algum em mim; não sentia cansaço, dor, sono; o amor é tão surreal, que o olhar e o sorriso dele me alimentavam a cada dia.

Heitor foi se desenvolvendo, crescendo, escolhendo os brinquedos que queria pegar, ou o que queria assistir. Estimulávamos ele na maneira que podíamos, dando colo o máximo que podia. Entre meio as cirurgias e UTI, contava pra ele sobre o mundo, sobre como eram as coisas fora da janela. Fizemos muitos leitos de lar, colocávamos brinquedos na cama para ter cara de casa, para ele se sentir cuidado e que estávamos lá.

Antes de tudo o que passamos sonhei muito com o aniversário de um ano dele. Imaginava a nossa grande família reunida, mas foi muito diferente. Fizemos o aniversário dele no quarto, com a ajuda das equipes.

Teve balão, bolo, doce, ele vestido de Pequeno Príncipe, enfim, com tudo o que uma festa tem direito; e a nossa família estava diferente, pois fizemos uma família no hospital; e foi essa que pode comemorar com a gente a conquista de chegar ao primeiro ano.

Confesso a vocês que, no dia, eu não pensava em como poderia ser o aniversário em casa. Depois de quase perdê-lo, pensava somente no quão estava grata por aquele um ano ao lado dele. Após completar um ano e com a gravidade que ele estava, as equipes permitiam que ficássemos os dois dentro do hospital. Mesmo com a pandemia, tínhamos um quarto só para nós, para darmos o maior conforto e amor a ele e sermos uma família.

Seguimos os três [um cuidando do outro, mamãe, papai e Heitor]; papai e eu sendo abastecidos com risadas e sorrisos, que nos recarregavam dia a dia. É como se o cansaço não conseguisse nos destruir diante de tanto amor.

Dias antes do Natal, papai positivou para a covid-19. Como o contato era enorme entre nós, papai ficou isolado em casa, e Heitor e eu ficamos isolados no posto que tratava a covid-19, por sete dias.

Passamos o Natal por ali mesmo; e não sei explicar para vocês o quanto eu só queria ficar bem para cuidar dele. Eu não pensava no Natal; não pensava em nada; só olhava aquele sorriso e aqueles olhos lindos, e os dias foram passando. Negativamos e pudemos voltar para o quarto, no dia 31 de dezembro.

Heitor passou a virada do ano muito febril; e, no amanhecer do dia 1º, fomos para a UTI. Mais uma vez uma superbactéria. Só conseguia sentir medo e dor por ver meu filho naquela situação; uma mãe de UTI sente uma impotência gigantesca; só queria trocar de lugar com ele, tirar toda aquela dor.

Heitor [novamente contra tudo] foi melhorando, saindo do respirador e voltando a sorrir. Ele parecia ter algo a mais para nos ensinar; acordava feliz, olhando pra gente.

Algum tempo depois, já no quarto, a equipe marcou uma reunião conosco para tratar de cuidados paliativos, que têm como objetivo melhorar a qualidade de vida do paciente e de seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida. Nesse momento, o meu chão desabou. Sempre soubemos da gravidade do Heitor e sabíamos da possibilidade de perdê-lo. Mas falar sobre isso trazia isso mais perto da realidade; e não há como descrever a dor e o quanto eu sufocava em pensar em não ter ele nesse mundo.

Nessa conversa, a equipe me pediu se eu tinha algum desejo; e eu tinha. Sempre sonhei com o Heitor brincando com os primos em um gramado lindo. Então pedi, se fosse possível, que eu levasse o Heitor até a parte de fora do hospital e meus sobrinhos o conhecessem.

O que eu não esperava era que o Heitor fosse tão amado dentro do hospital. Logo começou uma movimentação... eu andava no corredor e alguém me falava "o Heitorzinho vai passear". Não sabia ao certo o que estavam preparando, mas já sabia que tinha muito amor envolvido.

Logo recebemos um convite com a data, e avisamos nossa família para que trouxessem as crianças conhecer o primo. Somos uma família grande e muito unida. Meus sobrinhos esperavam muito pelo momento de conhecê-lo, e não tinha dúvida de que seria mágico.

Na semana [que estava marcado o passeio] chovia muito, mas não tínhamos outra data [e nem muito tempo], então resolvemos manter. Quando o grande dia chegou, 3 de março, amanheceu um sol lindo, como se tudo estivesse ao nosso favor.

Vesti o Heitor com sua roupa de Pequeno Príncipe, me arrumei, o colocamos na maca e saímos. Nos corredores era cheio de sorrisos e olhos cheios de felicidade por nós; eu sempre muito falante, conversava com todos por ali.

Quando chegamos à portaria, havia um corredor de pessoas segurando balões; médicos; pessoas do administrativo; enfermeiras; conhecíamos todos e todos nos conheciam. Eu só sabia chorar, e olhar aqueles olhos curiosos do Heitor.

Fomos até o Santuário de Schoenstatt e, quando abrimos a ambulância, lá estavam os meus sobrinhos: Leticia (10 anos), Ester (8 anos), Pedro (6 anos) e Joana (4 anos). Aqueles olhos curiosos deles para ver nosso pequeno, e o Heitor com os olhos arregalados, olhando tudo, que era muito novo pra ele. Me perdoem, mas esse momento eu não consigo descrever, parecia um sonho e as lágrimas corriam no meu rosto sem controle algum.

Caminhamos no meio daquele jardim, àquelas árvores, àquela grama verde, àquele céu, parecia mais uma pintura de um quadro daqueles que olhamos e pensamos: "Queria conhecer esse lugar". Era um sonho, um pedaço do paraíso.

Chegamos e estava tudo preparado. A equipe da enfermagem, que estava de folga, foi ao passeio dar suporte caso precisasse. Lá tinha uma toalha de piquenique; fotos; lembranças do passeio; comida para as crianças; tudo feito com tanto amor, que transbordava. Nunca senti algo daquela maneira... aquele lugar; àquelas pessoas, tudo respirava amor, amor pelo Heitor, por nós, pela profissão que escolheram. Nossa família ali, aquele jardim, tudo... era meu pedido simples se tornando realidade de uma maneira extraordinária.

Voltamos ao hospital... os dias foram se passando e o Heitor apresentava uma piora significativa em todos os sentidos. Sentia que o estava perdendo... Os exames começaram a se alterar mais; já não havia mais nada dentro dos padrões; e nós sabíamos o risco e o que podia acontecer. Mas nem nós, nem as equipes desistiam, sempre achando algo para que pudesse ajudá-lo.

A piora foi muito rápida. Cada dia que se passava, o Heitor estava mais cansado; o olhar dele já não era mais o mesmo; o sorriso era difícil de aparecer. Nós sabíamos que podíamos estar perdendo-o, mas só pensávamos em dar amor e continuar dando o nosso máximo.

No dia 16 de março, a respiração do Heitor piorou muito; e precisamos entrar com medicações fortes. Ele dormiu o dia todo [um pouco no meu colo e um pouco no colo do papai].

No início da noite, a irmã bateu à porta e nos explicou que tiraríamos a nossa força de Deus; oramos; ela começou a cantar e os batimentos do Heitor começaram a diminuir, como se o céu tivesse descido até nós para buscar o seu anjo.

Ali estávamos, papai e eu, ajoelhados ao lado da cama. Sabia que o momento havia chegado, e papai disse a ele: "Descansa filho". E minhas palavras foram: "Voa, anjo meu, voa".

E ele apagou, como se ainda tivesse dormindo, sem nenhuma expressão de dor ou sofrimento, só parou. Com isso, o meu mundo desabou. Poucas coisas lembro depois daqui; só pensava em cuidar dele do início ao fim.

Pedi aos enfermeiros para que me permitissem tirar os acesos e tudo mais; e que eu pudesse dar o banho. Assim eu fiz, com ele em meus braços... o banhei e o enrolei naquela manta branca, que corrói a alma.

Quando terminei de enrolá-lo, pensei que aquela era a primeira vez que o enrolava sem os fios, e me fez pensar nele livre; em um jardim lindo; correndo; em que acabaram as cirurgias, os fios, as sondas, as bolsinhas... ali, sem dor, livre, apenas livre em um paraíso lindo [como eu sempre sonhei e sabia que ele merecia].

Heitor, assim como muitas crianças, não merecem esse mundo de dor e sofrimento. Meu pequeno viveu feliz muito tempo, mas [quando o sorriso se apagou] ele virou um anjo.

O fato de ele ter se tornado um anjo não desmerece o milagre que ele é; ele lutou bravamente cada batalha; superou todas as expectativas; desafiou a medicina. Heitor foi forte, foi gigante.

Hoje, sigo com tudo o que ele me ensinou; com tudo o que essa trajetória me ensinou. Hoje sei que não temos problemas quando temos saúde; sei que ele está bem, e foi tudo o que eu sempre quis pra ele.

A dor da saudade sufoca o peito. Saudade do cheiro, do sorriso, de tudo... mas o meu coração está em paz. Foram 485 dias vividos de amor. Vivemos o amor mais puro e lindo [de uma maneira diferente], mas que nos transformou em seres melhores, que olham o mundo e as pessoas de outra maneira.

Deus sempre teve o melhor para ele; sempre disse que a minha dor eu dou conta se ele estiver bem, e hoje está... Me sinto privilegiada por ter sido mãe de um anjo, de um ser tão cheio de luz; ele tinha o mundo todo naqueles olhos. E sinto que aquele passeio foi para percebemos um pedaço do paraíso e a paz que o Heitor teria depois daqui.

Levarei comigo tudo o que aprendi, e serei eternamente grata a todos que passaram por nossa vida nesse período. Heitor segue em paz, cumpriu sua missão e nos deixou uma lição gigantesca. E, eu, sempre serei uma mãe de UTI, mãe de anjo e uma mãe de milagre".

Para saber mais sobre o projeto, acesse o link abaixo:

https://portalvividense.com/noticia/7832/historias-reais-de-mulheres-serao-contadas-no-projeto-entre-nos-em-coronel-vivida.html

Crédito: Rayza Brito

Crédito: Rayza Brito

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Crédito: Paloma Stedile/Portal Vividense

Crédito: Paloma Stedile/Portal Vividense

Crédito: Ana Carolina Bernardo